Viés cognitivo, o que é e como podemos ser pessoas melhores

Tomamos decisões todos os dias, o tempo todo, seja você quem for. Eu como designer, procuro tomar sempre decisões conscientes, que refletem em uma boa experiência com o produto ou serviço que me proponho a resolver. Porém, o alcance do meu trabalho pode impactar pessoas que não foram previstas anteriormente e a experiência pode não ser a mesma ou até mesmo ficar comprometida. Para evitar esse descuido, tenho estudado cada vez mais o comportamento das pessoas, a neurociência e a antropologia, que trazem mais repertório e confiança para o meu trabalho. Estudar os vieses não foi simplesmente estudar como nosso cérebro funciona e como nossas decisões e crenças são forjadas, mas sim um resgate cultural, herdado por nossos antepassados mais distantes.

Faz parte do ser humano, automatizar ações e decisões repetitivas, a fim de economizar tempo e energia com os recursos cognitivos. Isso foi extremamente importante, pois nos permitiu evoluir e buscar problemas cada vez mais complexos.


Ilustração 1 – Evolução humana de macaco para mulher em frente do computador | Imagem pch.vector – br.freepik.com

Em certos contextos, o conhecimento adquirido por essas automatizações, nos protegem e ajudam a tomar decisões mais rápidas e eficazes. São as chamadas heurísticas.

Heurísticas são atalhos mentais que facilitam a tomada de decisão. Mas eles, embora úteis em várias situações, podem nos levar a erros sistemáticos – os vieses cognitivos. 

“O viés cognitivo é um atalho mental que leva a desvios de racionalidade e lógica. Ele ocorre porque criamos padrões, baseados nas nossas experiências e percepções prévias, que distorcem o nosso julgamento.”

Charles Poltronieri, professor e colunista do Infocap

O vencedor do Nobel de economia, Daniel Kahneman, em seu livro Rápido e Devagar: duas formas de pensar, propõe que nosso cérebro funciona a partir de dois sistemas: Sistema 1 (Rápido) e Sistema 2 (Devagar). O Sistema 1, é associado ao pensamento rápido, de forma automática e involuntária. O Sistema 2, só é acessado quando necessário para raciocinar, calcular, analisar e resolver problemas. Ele também confirma ou corrige os julgamentos do Sistema 1, é mais confiável, mas requer mais energia, tempo e concentração.

Ilustração 2- Capa do livro Rápido e Devagar, duas formas de pensar | Imagem divulgação

No Sistema 1 as ações são involuntárias. O conhecimento é armazenado na memória, por meio de experiências vividas e acessado sem intenção ou esforço. Como perceber que um objeto está mais distante que outro, responder automaticamente somas como 2 + 2, completar frases de ditados populares, perceber a hostilidade em uma voz ou no rosto de outra pessoa e até dirigir em uma estrada tranquila e pouco movimentada.

No Sistema 2 as ações requerem atenção. As atividades dele devem demorar mais para serem concluídas, porque exigem um esforço maior para análise e resolução de problemas. Como a capacidade de se concentrar em uma prova, reconhecer a voz de um amigo em uma festa, resolver problemas matemáticos mais complexos, manter o controle mesmo quando se está com muita raiva ou preencher um formulário para tirar o passaporte.

Podemos concluir que a maior parte das heurísticas e vieses está relacionado ao Sistema 1, por tratarem exatamente de automatizar nossas decisões.

Ao se aprofundar nos vieses, podemos encontrar mais de 50 tipos, que conseguem ser organizados em quatro categorias: vieses que resultam de muita informação, significado insuficiente, necessidade de agir rapidamente e limites de memória. Irei descrever alguns deles, que são importantes para o nosso entendimento e que costumo encontrar mais facilmente no meu dia a dia.

  1. Viés da Confirmação

As pessoas são levadas a procurar ou interpretar informações que confirmem suas crenças ou hipóteses. É importante dizer, que não se trata de negar outros tipos de opiniões, mas o valor que se dá às informações que confirmam sua opinião, será sempre maior.

O viés da confirmação é um dos mais populares, porque são fáceis de encontrar em vários tipos de contextos: na política, com discursos polarizados; na alimentação, com a tendência de recusar alimentos que não tenham uma aparência agradável; na socialização, onde talvez a maioria dos seus amigos tenham o mesmo pensamento que o seu; no mercado financeiro, buscando análises de profissionais que confirmem suas escolhas financeiras. 

Ilustração 3 – Duas pessoas com perspectivas diferentes discutindo entre o número 6 ou 9 |Imagem Papo de Homem

 Um dos meios para tentar livrar-se desse viés é ter empatia; após definir sua hipótese, procure exemplos que comprovem que você está errado – sim, eu disse errado. Verifique se eles são plausíveis e sustentáveis.

“A capacidade de olhar o mundo sem a necessidade de procurar exemplos que agradem o seu ego, isto é autoconfiança.”

Grazielle Santana, mentora financeira.

  1. Viés da aversão à perda

O impacto de uma perda é maior do que a de um ganho, na mesma proporção. Em outras palavras, o medo de perder costuma superar a satisfação de ganhar. Quem nunca ouviu: vale mais um pássaro na mão, do que dois voando?

São mais explícitas no âmbito financeiro, como os investimentos, onde a maioria das pessoas optam por investimentos conservadores, com rendimentos modestos, ao invés dos mais arrojados, com rendimentos muito superiores, e muitas vezes, com mecanismos de controle de perda do valor investido.

Para Daniel Kahneman, “psicologicamente, uma perda vale o dobro do que um ganho equivalente”. Em seu famoso experimento, ele propunha para alguns estudantes de graduação que participassem de uma aposta de cara ou coroa: se acertasse o lado da moeda, seria recompensado com $150, mas se errasse, precisaria desembolsar $100. Se considerarmos apenas o ponto de vista do valor esperado, esse é um jogo que vale a pena jogar. Porém, na prática, a maioria esmagadora não aceitou a aposta, pois a dor da perda é sentida com muito mais intensidade do que o prazer com o ganho.

Ilustração 4- caricatura lançando moeda no ar | Imagem Pngwing

Essa assimetria na forma de como as perdas e ganhos são sentidas, nos levam ao medo de desperdiçar boas oportunidades. O outro lado também é verdadeiro, o medo nos deixa expostos a possíveis armadilhas disfarçadas de “oportunidades imperdíveis”.

É preciso calma e tempo para entender com profundidade a sua decisão e avaliar em quais pontos o seu comportamento se origina: de uma escolha racional ou apenas da tendência natural de aversão à perda.

  1. Viés da Ancoragem

Tendência de confiar e/ou tomar decisões a partir do primeiro pedaço de informação recebida (âncora) em um determinado assunto. Digo primeiro pedaço porque, muitas vezes, basta uma informação pobre ou pouco aprofundada para fazer julgamentos posteriores. Uma vez que a âncora é definida, muitas outras decisões podem ser feitas por meio do ajuste da sua distância e há uma tendência de interpretações de informações com base nela. Complicou? Explico.

Se somos ignorantes em determinado assunto, tendemos a aceitar como verdade a primeira informação que nos é dada sobre ele (âncora). Essa primeira informação pode ser superficial ou pouco aprofundada, mas servirá de base para fazer julgamentos posteriores. Um outro ponto, somos incapazes de dizer se a informação é confiável ou não. Uma vez que a âncora é definida, muitas outras decisões podem ser tomadas, com base nessas interpretações.

Figure 5 – Imagem conceitual de uma ancora e um cérebro | Imagem neumanagementllc

O viés da ancoragem é utilizado como técnica de venda, quando o vendedor utiliza uma informação inicial para ancorar sua argumentação. O preço inicial de um carro usado define o padrão para o resto das negociações. Se o vendedor faz uma redução durante a negociação, o novo valor parece bem atrativo, mesmo que ainda seja mais elevado do que o preço que o carro realmente valeria.

Além da área de vendas, o viés também pode ser encontrado em textos publicitários ou reportagens de televisão. Responda à pergunta: a população da Mongólia é maior ou menor do que 50 milhões de habitantes? Na sua opinião, quantas pessoas vivem lá?

A menos que tenha um conhecimento prévio da Mongólia ou faça uma pesquisa no Google, as respostas tendem a se aproximar da primeira informação que foi dada, no caso os 50 milhões de habitantes. E é em cima dessa referência que seu cérebro elaborou sua resposta.

A verdadeira quantidade de pessoas que vivem na Mongólia é de pouco mais de três milhões (2019), um país com baixa densidade populacional.

Com curiosidade e algumas pesquisas sobre o tema, é possível ter uma visão um pouco mais densa e com pontos de vista diferentes, que te fazem ter escolhas melhores e mais racionais.

  1. Viés da memória

Esse viés pode fazer com que as associações observadas em um evento sejam distorcidas ou até mesmo “fabricadas”. Recordações como detalhes, acontecimentos ou fatos podem parecer maiores ou menores com o passar do tempo; são chamadas de Falsas Memórias.

Quando uma pessoa presencia algum evento, a percepção pode não captar todos os detalhes. A recordação dele pode ficar defasada por conta dessa falta de detalhes, e o próprio cérebro tenta preencher essas lacunas, mesmo que não seja a intenção da pessoa. Pode ocorrer a formação de elementos falsos na recordação ou, mais grave, podem alterar uma memória já existente.

Figure 6 – Mão segurando foto antiga de crianças em frente ao portão de uma casa | Imagem institutodepsiquiatriapr

Esse viés é facilmente identificado em casos de investigações criminais (a referência mais forte que tenho é o filme Doze Homens e Uma Sentença), mas também está presente no cotidiano. Alguma vez você foi abrir a porta de casa e ficou procurando as chaves em todos os bolsos possíveis, porque tinha absoluta certeza de que elas estavam com você? Algumas dessas memórias podem ser puramente imaginativas (como achar que pegou as chaves quando, na realidade, nem encostou nelas), enquanto outras podem ter um fundo de verdade, mas as informações estão distorcidas — neste caso, pegar as chaves e, ao invés de colocá-las no bolso, as colocar na mochila por distração, mas na hora de recordar, lembra de tê-las colocado no bolso.

Em pesquisas comportamentais, onde os indivíduos são questionados sobre um determinado hábito, como por exemplo fazer atividade física, as lembranças geralmente são mais positivas, como uma vida mais saudável e regrada (um hábito socialmente desejado), do que realmente aconteceu nos últimos meses.

Esse viés é difícil de ser evitado, porque realmente confiamos em nossas memórias. O mais indicado seria coletar as informações o mais rápido possível após o evento, pois à medida que o tempo passa, maiores são as chances de alguns detalhes da recordação serem distorcidos, mal interpretados ou ainda, preenchidos com elementos falsos depois da ocorrência do evento.

  1. Viés de enquadramento

Nossas decisões podem ser afetadas, pela maneira como o problema é formulado ou pela forma como as opções são apresentadas (enquadradas). Essas informações são manipuladas e tendem a ser apresentadas em um contexto positivo ou negativo, dependendo do apelo que se dá ao problema.

Figure 7- Mulher fazendo escolhas e usando óculos de realidade virtual | Imagem pikisuperstar- br.freepik.com

Suponhamos a seguinte situação: num restaurante, você está com fome e precisa escolher entre comer uma massa artesanal ou um corte de carne nobre, ambos pratos nunca antes experimentados por você. O problema é que apenas um deles pode ser servido. Sem saber o sabor, fica difícil escolher, não?

Para ajudar, revelo mais informações: o molho da massa artesanal é cítrico e a carne nobre é de coelho. Bom, agora é mais provável que você esteja mais inclinado a uma das opções.

Se soubesse o quanto você gosta de massas (e quisesse que escolhesse o prato de massa), estaria agora detalhando o quanto o sabor cítrico, combinado com a textura da massa, deixa o prato apetitoso. Deveria também citar a carne nobre de coelho, como algo cruel para um animal tão meigo.

O importante é realçar os aspectos que te levariam a consumir a massa: se o preço da massa fosse mais caro que o outro prato, o que poderia ser um ponto negativo crítico, mal citaria esse elemento (ou o faria de forma muito sutil e rápida). Isso é o que caracteriza o viés de enquadramento: a manipulação da sua atenção, de modo a influenciar a escolha feita por você.

Examinar cuidadosamente as informações apresentadas, identificar e questionar as suposições embutidas, tentar descobrir informações importantes que deixaram de ser mencionadas e procurar outras opiniões sobre o assunto, ajudam a minimizar o enquadramento.

O cérebro é uma máquina de entender o mundo, que está em constante evolução. Ele nos protege e nos ajuda em nossas tomadas de decisões diárias. Com as heurísticas, automatizamos e simplificamos muitos dos nossos julgamentos e decisões. É um trabalho árduo construído ao longo do tempo, mas que infelizmente são suscetíveis a erros e falhas. Conhecer os vieses ajuda nas tomadas de decisões mais assertivas e, por se tratar de decisões que tomamos todos os dias, nos torna pessoas melhores e mais humanas.

Fontes de consulta

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  1. Diogo Barbosa31/07/2021

    Excelente texto, parabéns Bruno Espudaro.

  2. É incrível atentar para os viés cognitivo, aprender a conhecer o comportamento do nosso cérebro e procurar adaptá-lo, para que possamos ser pessoas melhores! Amei esse artigo! E com certeza vou praticar escolhas e atitudes melhores para comigo e com a coletividade.

  3. Patrick09/09/2021

    Parabéns Bruno pelo texto, ótimo!

  4. MARIRI07/05/2022

    OTIMO TEXO!

  5. MARIRI07/05/2022

    OTIMO TEXTO!